Saturday, 10 January 2009

Sousa Viterbo 1889

O caminho de ferro democratizando Cintra, acabou de lhe tirar os seus ares senhoriais e monásticos. A burguezia endinheirada proclama por toda o parte a sua realeza. A miséria dos velhos fidalgos abre a porta dos solares arruinados para deixar entrar a opulência dos banqueiros. Cook, o milionário, convisinha com Penha Verde, alarga por ele os seus dominios e substitue com a sua presença a sombra veneranda de D. João de Castro. Os conventos, ou cairam a pedaços, ou se metamorfosearam, como Penha Longa, na granja opulenta de algum titular da fidalguia do dinheiro. Nem são sequer melancólicas ruinas, colmeias abandonadas das abelhas de Deus, como dizia na sua frase imaginosa, um poeta portuense[Joaquim Pinto Ribeiro].

A tua natureza, ó Cintra, é todavia superior a todas as transformações sociais, as tuas penedias caprichosas assistem impassiveis a todas as mutações do scenário da vida, e por mais que o frígido positivismo faça empalidecer os raios fulgurantes da tua corôa poética, tu serás sempre, mercê de Deus, o glorioso Eden cantado por Byron, o trono da vicejante primavera, de que nos fala Garret.

SOUSA VITERBO
100 artigos
16 de Fevereiro de 1889

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