Friday 23 January 2009

SOCIEDADE DE FLORA E РОМONA

PRIMEIRA EXPOSIÇÂO DA
SOCIEDADE DE FLORA E РОМONA.
1854

O Jury nomeado por Sua Majestade El-rei o Senhor D. Fernando, na qualidade de Presidente da Sociedade de Flora e Pomona, para conferir os prémios da exposição, a que a mesma sociedade procedeu nos dias 12, 13 e 14 do mez de maio, no Passeio publico, depois de examinar convenientemente todos os objectos, que concorreram á exposição, unanimemente concordou no juízo seguinte.

Que se devem agradecimentos ás pessoas, que imediatamente concorreram para o modo artístico e gracioso porque as plantas alli reunidas foram dispostas, e ofereciam à observação dos espectadores. Contribuiu para isso o conhecido bom gosto do snr. Cinnati, e o do snr. Bonnard, jardineiro d' El- rei, os quaes foram encarregados de todo o arranjo do local e colocação das plantas, pela comissão nomeada para levar a efeito a primeira exposição da sociedade.

Outro reconhecimento há a tributar; é o que se deve ao publico da capital. Apesar de ter concorrido grande numero de pessoas em todos os tres dias da exposição, e de llhes nao haver sido vedado o aproximarem-se de cada um dos objectes, as plantas nao soffreram o menor prejuízo, e foram entregues todas a seus respectivos donos em tão bom estado, como aquelle em que haviam sido recebidas, graças ao extremo bom senso e dócilidade dos habiitantes desta cidade.

Neste ajuntamento de plantas, o que mais immediatamente feria a attençào era o magnifico grupo de vegetáis dos trópicos, que guarnecía a parte mais eminente das bancadas centraes, composto quasi todo das numerosas e mui vistosas Palmeiras, Musaceas e Pandannceas, pertencentes as collecçoes do jardim das Necessidades. Dominava o centro deste extenso grupo de plantas a majestosa Latania borbónica com a sua magnifica e brilhante folhagem. A imaginação poderia fazer-nos crer transportados a essas regiões intertropicaes, aonde só e possível ver e admirar a vigorosa vegetação, que chega a crear as brilhantes formas e ao mesmo tempo as enormes proporções, que as diversas partes dos vegetaes alli adquirem.

De palmeiras os nossos jardins nao possuiam mais do que a palmeira das igrejas (Phoenix daclylifera) e a muito nacional palmeira das vassonras (Chamaerops humilis). A collecção d'El-rei o senhor D. Femando veio alargar este estreito campo da observação, e nos fez conhecer perto de mais quarenta especies nos géneros Phoenix, Cocos, Jubaea, Latania, Sabal, Bactris, Chamaedorea, Corypha, Diplothemium, Saribus, Rhapis, Borassus, Drymopalaeus, Acrocomia, Piranga, Ceroxylon, Qualielma, Daemonorops, Copernicia, Astrocaryon, Caryota, Attalea e Geonoma. Entre as especies destes géneros figurava o coco da praia dos brazileiros (Diplothemium maritimum); o Ceroxylon andícola, notavel pela quantidade de materia gorda que accumula na base das folhas ; o Borassus flabelliformis, e a Corypha gebanga, palmeiras do maior prestimo na Asia, pelo succo sacharino e licor fermentado que fornecem, pela materia feculenta que Ihes aproveitam do tronco, as cordagens, tecidos e variados utensilios, que se fabricam com as suas folhas. Podia igualmente ver-se entre as palmeiras d'El-rei um coqueiro (Cocos nucifera) bem desinvolvido e pegado ao coco, de que nascera; era da quinta das Larangeiras do snr. Conde de Farrobo, (donde tambem veio uma outra palmeira, que se pensa ser do genero Acrocomia.

É certo porem que estes soberbos vegelaes, adorno e riqueza das regioes que habitam, pelos seus limites geographicos de 40° no hemispherio boreal e 35° no hemisfério austral, limites que dificilmente transpõem, nunca poderão, mesmo no nosso clima, esperar em geral outro asylo mais do que o das estufas. O nosso Chamaerops humilis ja paga com sua hiimildade a latitude, a que estende a sua habitação : o Phœnix dactylifera, transportado desde muito tempo do norte d'Africa para a nossa cultura, desenvolve-se, e verdade, bem neste clima, mas não fructificando mostra nao achar nelle todas as condiçôes do clima que Ihe e proprio.

Nao será comtudo impossivel, que ao menos deste mesmo modo se possa obter a acclimatação no nosso sólo, e especialmente no Algarve, de outras palmeiras, que posto pertençam a latitudes tanto ou mais austraes do que a do Phoenix dactylifera, tenham alli pela maior altura que habitam, um clima que nao defira muito do nosso. O trabalho e diligencias dos horticultores intelligentes e perseverantes e que poderão resolver o problema dessa acclimatação ; nao podendo comtudo deixar de reconhecer-se que na Europa a cultura das palmeiras, ou dos muito bem chamados principes da vegetação, ha-de ser sempre cultura so para principes, ou para estabelecimentos públicos muito bem dotados; e que nunca se deverá esperar dessa cultura outro interesse mais, que o do estudo, e o do ornato dos grandes jardins.

Sabemos que sua magestade El-rei o senhor D Fernando conseguirá ter da Abyssinia sementes de palmeiras de região elevada daquella parte d'Africa, e que estas sementes no jardim das Necessidades poderam germinar bem. Prosegue-se em diligencias para saber até que ponto se poderá conseguir o seu desenvolvjmenlo, e ao ar livre. É um bello ensaio, muito bem começado, e cujos resultados hão de por certo interessar bastante nao só a curiosidade, mas a sciencia.

As Musaceas tinham os quasi únicos três géneros que as constituem, representados na exposição. O genero Musa, de que so соnheciamos nos jardins as quatro especies. Musa paradisiaca. M. sapientum, M. coccinea, e M. Cavendishii ou sinensis, nos mostra hoje mais seis, que sao a M. macrocarpa, M. argéntea, M. violácea, M. brasiliensis, M. pumilla, e a muito engraçada M. zebrina; todas das collecçôes do jardim das Necessidades. Igualdente se via a Ravanala madagascariensis do jardim do Lumiar : e a Heliconia furfuracea, H. variegata, e H. bihai ; todas tres do jardim das Necessidades. Todas estas Musaceas, novas nos nossos jardins, sao tambem, excepto a ultima, de recente introducção nas culturas da Europa.

As Cycadeas, alem da Cycas revoluta, e da C. circinalis, ja conhecidas nos jardins, eram alli representadas por tres bons ехеmplares de Zamia, a Zamia picta, a Z. mexicana, e a Z. lanuginosa; todos das collecçôes de El-rei o senhor D. Fernando, os primeiros que apparecem nos nossos jardins, e tambem de recente introducção nos da Europa. Entre os exemplares de Cycas fez-se notar o pertencente ao snr. Santos, pelo seu bom estado e maior desenvolvimento ; era do Cycas revoluta, especie alias que a observaçâo tem mostrado receber muito bem as condiçôes do nosso clima. Deste mesmo expositor era uma outra planta, o Laurus cassia, uma das arvores da canella, e que mais especialmente fornece a da China; fazia-se notar pela excellente vegetação e perfeito desenvolvimiento em que se achava.

As Pandanaceas eram representadas pelo Pandanus utilis. P javanicus, e um exemplar da Carloduvica sobaea ; exceptuando a primera, todas tambem de recente introducção ñas nossas culturas, e pertencentes a primeira e terceira especies ao jardim das Necessidades, e a segunda ao do Lumiar.

Chamava a attençâo, por suas grandes proporçôes, um Crinum insigne do jardim das .Necessidades; dois bons exemplares da Bonapartia gracilis, e B. júncea, e duas outras Bromeliaceas floridas, que não vinham nomeadas, mas que devem ser do genero Pourrhetia ou Tillandsia, das que vegetain simplesmente suspensas no ar.
Contribuiam tambem para constituir o grupo central de plantas a Dracaena nobilis, a D. reflexa, a D. umbraculifera, o Calladium bicolor, o Dracontium pertusum, e uma nova Maranta, a M. atro purpurea do jardim do Lumiar.

Depois das Palmeiras e demais plantas, que temos indicado, e que assim sobresaíam no centro da exposição, a attençâo nao podia deixar de se fixar em duas grandes collecçôes de Coniferas, que se viam do lado esquerdo.

Uma destas collecçôes é do jardim das Necessidades, e contava para mais de cento e vinte exemplares, a outra do snr. Bento Antonio Alves tinha uns oitenta.

Alem das Araucarias mais conhecidas existia a Araucaria Bidwillii, e um exemplar com a indicaçao de A. columnaris, cuja exactidáo porem ficou para nos em duvida à vista da descripção e estampa que vimos da A. columnaris no jornal Flore des Serres. O exemplar pareceu-nos ser da Araucaria excelsa. E certo que as duas Araucarias andaram confundidas, o que prova a sua similhança. Se insistimos nestes pormenores é porque sendo o exemplar, a que nos referimos, a verdadeira Araucaria columnaris, tornava-se uma novidade importante, mais uma especie que veríamos representada nos nossos jardins, pertencente a um genero, que nos merece o maior intéresse pelo bem que o nosso clima tem hospedado outras especies congeneres, e pelo futuro que promette à sylviculture do paiz.

Quasi todos os Juniperus conhecidos, grande numero de Cupressus, de Pinus, de Thuya, de Taxus, de Cedrus tinham individuos nestas collecçôes; alem disso, eram representados os géneros Libocedrus, Taxodium, Cryptomeria, Phyllocladus Callitris, Biota, Dacrydium, Frenella, Chamaecyparis, Cephalotaxus, Widringtonia, Retinispora, e Podocarpus. A colossal Sequoia gigantea, que no seu paiz, a California, chega a ter trezentos реs de altura e trinta pés de circumferencia no tronco, lá tinha tambem um pequeno representante. Tambem os tinham а Saxe-gothaea conspicua, e a Fitz-roya patagónica, novissimas especies introduzidas na horticultura, e trazidas dos Andes da Patagonia por um colleclor da casa Veitch de Exeter, o snr. Lobb. Sao tambem arvores, que tomam grandes dimensoes, habitain regiôes frias, próximas mesmo aos gelos perpetuos, e que soffrem alem dos effeitos da baixa temperatura o embate de fortissimas ventanias; devendo por tudo esperar-dе destas arvores excellentes povoadores para as cumiadas de muitas das montanhas da Europa. A Saxe-gothaea recebeu o nome do Principe Alberto, de Inglaterra, a quem fora dedicada.

A proposito das Coniferas devem mencionar-se dois exemplares de Araucaria-excelsa, obtidos no jardim das Larangeiras por estacas feitas com os ramos lateraes e enxerto nelles da cabeça da arvore; um dos modos porque se tem conseguido multiplicar a especie. Os dois exemplares assim obtidos eram perfeitos nas suas formas, e bem desenvolvidos. Mas o problema da verdadeira multiplicação da Araucaria-excelsa por sementé ha-de resolver-se em poucos annos no nosso paiz : attesta-o a Araucaria do Lumiar, que todos alli pódem ver, actualmente guarnecida de immensas flores masculinas, e de bem formadas pinnas na sua parte superior, apesar da especie ser dioica; e promette-o principalmente o pequeno e interessante pinhal de Araucarias, mandadas plantar em Cintra por Sua Magestade El-rei o Senhor D. Fernando.

O gosto pela cultura das Coniferas tem augmentado muito entre os horticultores mais intelligentes. Procuram-se individuos desta ordem de plantas em todas as regiôes do globo, e fazem-se constantes diligencias para as trazer as culturas da Europa. O motivo é obvio ; sao arvores pela maior parte de máxima utilidade por suas madeiras, resinas, etc. ; e muitas dellas guarnecem ao mesmo tempo agradavelmente os nossos jardins, passeios e bosques de recreio. Pode antever-se quanto ha a esperar da cultura das Coniferas em Portugal, reflectindo-se que nas matas contamos apenas o Pinus marítima, o P. pinea, e o Cupressus glauca ou cedro de Góa, que tão bem se acclimatou na serra do Bussaco ; e ponderando-se ao mesmo tempo, que a maior parte dos nossos terrenos montanhosos e do littoral estâo sem arvoredo, alias táo indispensavel. Quanto não é por isso digno de appluso e de imitaçâo o exemplo de El- rei o senhor D. Fernando, fazendo povoar, como o tem em parte conseguido, a serra de Cintra, deste tão valioso arvoredo !
A menos attenta observaçâo deixaria conhecer a todos os visitantes a variada colléecção de craveiros floridos do mais agradavel effeilo, a de muito boas variedades de Geranium e de Fuchsia; pertenciam ao jardim das Necessidades. Outra collecçâo rica e vistosa era a dos Rhododendros e Azaleas do Lumiar, alguns ainda em magnifico estado de florescencia. Era igualmente para notar-se a variada collecçâo de Iris-germánica, de Gladiolus, e de Antirrhinum majus, pertencentes ao snr. Bonnard. guarneciam tambem as bancadas, em grande extensâo, numerosas petunias, parte do jardim de S. Pedro de Alcántara, parte pertencentes ao snr. Bonnard. Appareceram tambem as petunias, de S. Pedro de Alcántara, devidas aos cuidados do snr. Conselheiro Agostinho da Silva, que apresentou igualmente uma numerosa e variada collecçâo de amores peifeitos, agradaveis Verbenas e Fuchsias, e alem disso um exemplar da Swainsonia coccínea.
Nao faltou à exposiçâo a bem conhecida e variada colleccão de Cactos do snr. Machado, única desta ordem que existe em Lisboa.

Os Fetos e Lycopodiaceas nao foram esquecidos pelos expositores. Appareceram bons exemplares de fetos indigenas e da Madeira, pertencentes ao snr. Alves.
O snr. Monró apresenlou urn exemplar vistoso de Pteris elegans, e outros da Davallia pyxidata, de alguns asplenios, do Lycopodium scandens, e o Platicerium grande, feto curioso pelas formas e modo de vegetação, que pode obter, adherindo únicamente a uma taboa. Outro Platicerium muito bem desenvolvido e curioso foi exposto pelo snr. Schmittaus, a quem a exposiçâo deveu tambem alguns bons geranios.

Recommendavam-se por fim á attencão por seu perfeito desenvolvimento, e boa cultura, por sua belleza ou novidade as seguintes plantas, que os observadores achariam dispersas por toda a exposição.

Pertencentes ao jardim das Necessidades
Rhopala corcovadensis : proteacea de muito récente introdução na Europa.
Stiptia chrysantha; соmposta arbórea, e por isso menos commum entre as da sua ordem.
Simplocos limonicilia; simplocacea tambem de moderna introduccáo nos jardins.
Spathodea speciosa ; bignoneacea.
Eugenia villosa ; myrtacea novamente introduzida.
Stadmannía australis ; sapindacea da N. Hollanda.
Franciscea specíosa, e F. longifolia; especies tambem muito novas nos jardins.
Theophrasta longifolia; myrcinea de Caraccas.
Allamanda verticillata, e A. spec. apocyneas.
Hexacentris mysorensis ; acanthacea.
Coleus Blumei ; vistosa labiada.
Clivia nobilis; muito mimosa Amaryllidea do Cabo de Boa Esperance.
Um Metrosideros em flor, que fora de proposito arrancado da terra para vir á exposição.

Pertencentes ao jardim do Lumiar do snr. Duque de Palmella :
Tres formosas Catleyas em flor, das quaes excitou a admiracáo de todos por sua belleza a Catleya mossiai.
Erica Cavendíshii ; mui vistoso exemplar cheio de flores amarellas, que todos igualmente notariam.
Diosma crenata, e D. ciliata ; ambos floridos.
Ípomaea-Horsfeldii; especie muito brilhante.
Aralia quinquefolía; araliacea.
Schaedophyllum pulchrum.
Ramos floridos da Grevillea robusta, mai da maior parte das arvores da mesma especie que se tem espalhado pelos outros jardins.
Outros ramos floridos do Philadelphus mexicanus, e dagraciosa Fumariacea Diclytra spectabilis.

E alem destas bastantes outras plantas de recente introducção nos jardins da Europa.

O snr. Márquez de Vianna, que do seu rico jardim de Cintra nao podía mandar vir, sem as sacrificar, maior numero de plantas das suas ja muito extensas e bem escolhidas colecções, remetteu para a exposição, como documentos da quella riqueza, ramos floridos de muitas plantas de estimaçâo, e algumas vasos com plantas inteiras. Entre estes objectos distinguiam-se boas Rosas, algumas Calceolarias, muitas Acacias, boas variedades de Azaleas, de Crataegus, a Brunía lanuginosa, a vistosa Erica línoides, alguns Ribes, a Magnoliae tripetala, variadas Verbenas, alguns Phlomis, e outras plantas que attestavam o variado e subido grão de cultura, em que se acha о jardim de Cintra do mesmo snr. Marquez de Vianna.

O snr. Ayres de Sá expoz um exemplar bem creado do jaboticareiro, e outro do cambocareiro; e nao apresentou mais plantas, porque o passeio publico, reorganisado por suas incessantes diligencias, é todo elle uma exposição constante, e vivo documento da sua actividade e zèlo que tem desenvolvido pela horticultura.

Do snr. Bonnard, alem do que ja se referiu, appareceram outras plantas, das quaes podem indicar-se mais especialmente as seguintes:

Xylophylla longifolia; euphorbiacea.
Westringia grandiflora; labiada vistosa.
Hoteia on Spiraea japónica ; saxifragea.
Ruellia maculata; bella acanthacea.

Concluiremos esta rápida enumeracáo mencionando aínda uma planta das expostas, muito humilde na apparencia, e para a qual o maior numero de pessoas de certo nao prestou attençào por falta de prevenç o, mas que a merecía debaixo do ponto de vista scientifico, e ainda a outros respeitos. O seu nome era o de Tavaresia angolensis, e pertencia ao snr. Monró, a quem a mandou de Angola o snr. Dr. Frederic Welwichlz. O conhecimento da planta é fructo das excursôes deste naturalista no sólo africano, aonde está. E' uma Stapeliacea, reputada formar nao so especie, mas genero novo. Pelo direito que assiste aos naturalistas nas suas descubertas, o snr. Welwichlz escolheu um dos seus amigos para Ihe dedicar o novo genero, e este amigo foi o snr. Tavares de Macedo; ficara por isso sendo a planta uma Tavaresia, e o bom nome do snr. Tavares de Macedo, por este motivo mais, registado nos livros da ciencia. A planta habita nos campos de Loando, perto do sitio do Penedo e do Cacuaco ; o seu habito externo e o das Stapelias, mas os orgàos floraes, segundo a observacáo do snr. Welwichtz , affectam a apparencia das Orchideas. A existençia desta Stapeliacea no sitio aonde foi adiada, e por elle considerada tanto mais importante, quanto é sabido que na África tropical se nao tinham ainda encontrado especies desta ordem de vegetaes. Compraz-nos ter esta occasiao de recordar o nome d'um naturalista, a quem o estudo da Flora portugueza muito deve, e que tambem рrestou bom serviço á horticultura em Lisboa. Queira a Providencia, que a saude e as forças lhe nao faltem, para prestar á ciencia os muitos services, que na actual situaçâo , elle pode fazer.

Foram tambem expositores o snr. Pastor, e algumas outras pessoas, cujas plantas se nao mencionam, por serem de cultura mais conhecida; não deixando por isso de haver motivo para agradecer a estes, como a todos os outros expositores, a boa vontade com que concorreram ao chamamento que se fez, e contribuiram para guarnecer a exposição do modo agradavel e satisfactorio por que se apresentou a todos.

Temos ainda de fallar de alguns instrumentos agrarios, que appareceram como que constituindo o fundo do gracioso quadro d'esta exposiçâo, a saber: um ventilador para limpeza de сеreais e legumes, pertencente ao snr Conde do Farrobo, e exposto pelo seu jardineiro; e outros objectos pertencentes todos ao Instituto agrícola. Entre elles se notava um carro feito por um modelo, que o snr. Conde do Farrobo mandara vir de Italia; consta-nos ter todos os seus movimentos táo facéis, que pode conducir, com menos incommodo dos animais, o dobro do peso que os nossos carros ordinarios costumam carregar : a charrúa de Dombasle, a de roteaçâo, a de sub-solo, o arado inglez, o sachador de Dombasle, o belga de Rosé, o extirpador de Grignon, e o rolo Kroskiil; instrumentos todos de reconhecida utilidade na agricultura das naçôes mais cultas,; quasi desconhecidos entre nos E seria urna grave falta deste relatorio, se por ventura nelle nao agradecessemos ao Instituto agrícola de Lisboa a boa vontade e presteza com que concorreu por este modo á nossa primeira exposiçâo ; esperando para o futuro da illustrada direcçâo do mesmo Instituto, que elle concorrerá com os variados productos hortícolas da sua quinta exemplar, para tornar mais variadas e mais completas as exposicoes da sociedade de Flora e Pomona; tornando-se igualmenle por este modo aquella utillissima instituicáo mais proveitosa ao paiz, que tanto deve esperar della.

Quanto ao ventilador, en que os francezes chamanm Tarare : observamol-o trabalhando, e podemos assegurar, que preenche muito bem o seu fim; extremando com a maior facilidade o trigo ou cevada limpos, a palha miuda, e a térra, que tem misturada: o expediente deste apparelho é tal, que no trabalho regular de um dia e possivel limpar cincoenta moios de trigo. Suppomos ser um apparelho muito para recommendar аоs nossos lavradores, e cuja pratica deverá substituir com muita vantagem o processo de arneirar o trigo antes de o recolher.

O jury tendo а dispor, conforme o programma da sociedade, de tres medalhas de ouro, tres de prata, e tres de bronzo, poz primeramente fóra da competencia as collecçôes dos jardins reaes, como Ihe foi ordenado por sua majestade El-rei o senhor D. F'ernatido, presidente da sociedade ; « considerando todas as outras, intendeu conferir os premios da maneira seguinte:

Ao snr. Bonnard, director e jardineiro dos jardins reaes, uma das medalhas de ouro pelas plantas que expoz, e alem disso pela pericia de que deu sempre provas no desempenho do seu cargo como cultivador.

Ao snr. Alves outra medalha de ouro pelo zelo e sacrificios que Ihe tem merecido a horticultura, e pela importante colleccáo que apresentou de Coniferas e de Fetos.
Ao sñr. Weis a outra medalha de oiro, na qualidade de jardineiro do snr. Duque de Palmella, como bom e intelligente cultivador, e pelas plantas que concorreu a fazer expor, vindas do Lumiar, principalmente a colleccáo de Rhododendros, de Azaleas, e Orchideas.

Ao snr. Bonnard , filho, urna medalha de prata, como jardineiro do snr. Márquez de Vianna, e pelas numerosas e bem cultivadas plantas vindas do jardim de Cintra ; especialmente algumas Ericas, Azaleas, Coniferas, Acacias, e um dos vistosos exemplares da Indigofera decora, que appareceram na exposição.

Ao snr. conselheiro Agostinho da Silva unía medalha de prata, pelas collecçoes que apresentou do jardim de S. Pedro d'AIcantara, cuja cultura e sabido Ihe merece esperiaes cuidados, e como amador que e' enthusiasmado da horticultura.

Ao snr. Pedro Maurieu uma medalha de prata, como jardineiro do snr. conde do Farrobo, e pelas Araucarias obtidas de enxerto que apresentou, bem como a maquina de limpar cereaes, cuja introdução no paiz lhe e devida.

Foram considerados dignos de mencáo honrosa:
O snr. Machado , como um dos zelosos e intelligentes amadores da horticultura, e pela sua conhecida e estimada colleccáo de Cácteas.
O snr. Monró, pelos curiosos exemplares de Fetos, e pela interessante Tavaresia angolensís que expoz ; certo, alem disso, que o snr. Monró e um dos zelosos promotores da horticultura entre nos.
O snr. Santos , pela sua bem desinvolvida Cycadea, e bem creado exemplar do Laurus cassia.

Concluindo este relatorio , entende o jury que nos podemos felicitar por este primeiro ensaio de exposicáo da sociedade, que corresponden a quanto podia esperar-se, tendo para isso concorrido principalmente a muito decidida proteccáo que a este objecto se dignou prestar Sua Magestade El rei o Senhor D. Fernando, cujos desejos e diligencias é de esperar sejam correspondidas pela sociedade e pelo publico, a fim de conseguirmos a introduccção do maior numero de plantas uteis, a sua acclimatacáo, o máximo aperfeicoamento em todo o genero de culturas, e a prospendade e bem-estar geral, que tudo isso necessariamente traz ao paiz.
Por toda a parte as sociedades horticulas tem sido um poderoso meio d'alcançar estes beneficios; devemos, por conseguinte, empenhar esforços, para que a nossa nao satisfaça menos o seu fim.

Sua Magestade El rei o Senhor D. Femando visitou repetidas vezes a exposicáo, e acompanhado de Sua Magestade El rei o Senhor D. Pedro, e de Sua Alleza Real o Senhor Infante D. Luiz , dignou-se presidir o jury encarregado da distribuicáo dos premios.

Aos membres do jury foi particularmente agradavel a impressáo que Ihes fez o muito conhecimento de causa que os jovens Monarcha e Principe mostraram, percorrendo os objectes da exposicáo; e o modo por que a attencáo dos Augustos Visitadores se fixava justamente nas plantas, que por sua novidade ou outro motivo de interesse a deviam excitar.

Sua Alteza Real o Senhor Infante D. Luiz, como quem Ihe era tudo muito familiar, escolheu na colleccáo dos pinheiros do snr. Alves, e para mais completar a do jardim das Necessidades, todos os exemplares, que se recominendavam pela maior novidade ou importancia das especies, e que mais interesse promettem por sua introdução na nossa cultura.

Uma tão esmerada educacáo, como a que demonstram similhantes factos, e da mais lisongeira esperança para um paiz, como o nosso, que tanto precisa e tem a obter do espírito iIlustrado dos Soberanos, que o hão-de continuar a governar.

As sciencias naturaes, que entre nos tern quasi sempre sido tractadas como filhas bastardas, nao obstante a dependencia em que dellas está immediatamente a resolução de quasi todos os problemas do desenvolvimento social, teram por fim nos chefes do Governo zelosos protectores, porque teem ja e teráo quem as comprehenda e estime.
Este sólo fértil, e este bom clima do nosso Portugal convidam-nos incessantemente, e quasi que nos arguem sem cessar do nosso inqualificavel atrazo nas différentes culturas; nos que somos dos povos que as pederíamos apresentar no estado mais florescente da Europa. Mas se ao abrigo de uma paz imperturbavel, e sob a direcrúo de um Rei esclarecido, a Bélgica pode reorganizar ern 1826 a antiga confraria de Santa Dorothea, debaixo do nome de Sociedade de Horticultura de Bruxellas, que é hoje talvez o typo classico das sociedades d'esta ordern, que nao devemos nos tambem esperar da nossa Sociedade de Flora e Pomona abrigada sob o manto de um Principe tào esclarecido, e votado cordealmente a todos os progresses agrícolas d'esta nossa abençoada térra ? Nos esperamos sinceramente que ajudados pela Providencia, e dirigidos pelo conselho táo competente e illustrado patriotismo de nosso Presidente Sua Magestade el rei o Senhor D. Fernando, desempenharemos fielmente o nosso programma, e concorreremos de um modo mui assignalado para a prosperidade de todas as culturas em Portugal, que são a primeira de suas industrias.

Marquez de Ficalho=-Barâo do Castello de Paiva—Caetano Ferrara da Silva Beirão — Duarte Cairns—Dr. Bernardino Antonío Gomes. (Diario do Governo.)

4 comments:

Pedro Braz Teixeira said...

Congratulations on your post. I am doing research on "conde do Farrobo", came across his gardener Bonnard, and that's how I came to this post. Do you happen to have any more documents on any of them?
Thanks.

Gerald Luckhurst said...

Thanks Pedro - Bonnard was an important figure in 19th C. Horticulture. See Viterbo's short biography in Jardinagem em Portugal - bn.pt

Gerald

Pedro Braz Teixeira said...

Thanks for your helpful answer. I will look it up. The text of the post is available elsewhere on the net? Or did you type it from a printed document? By the way, what exact date is it? Thanks again.

Gerald Luckhurst said...

1854 - typed transcription